Quando ainda estudava na FAU, nos anos 70, me apaixonei pelas “cidades mortas”. Esse apelido nada honroso foi conferido por Monteiro Lobato às cidades do Vale do Paraíba, que conheceram seu apogeu durante a riqueza do ciclo do café. Após a crise de 1929 entraram em decadência econômica numa espécie de hibernação. Abandonadas quase que totalmente pelo poder publico o empobrecimento dos próprios moradores foi uma conseqüência natural. “Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito” (Cidades Mortas, Monteiro Lobato).
Conheci o ramal paulista das cidades do Vale do Paraíba em 1975 quando estudávamos os reflexos da economia sobre a cidade e culturas de um povo. Cidades como Areias, Bananal, São José do Barreiro e muitas outras, tanto a parte paulista como a carioca sofriam do mesmo sintoma. Um grande desafio para nós, futuros urbanistas criar projetos que pudessem conservar e revitalizar o patrimônio dessas cidades, que viviam numa espécie de limbo.
O plantio do café havia se deslocado para o Oeste Paulista e toda a estrutura de casarios, fazendas imperiais, comercio se deterioravam sem que o poder público interferisse. A história impressa nos monumentos públicos e privados da cidade e toda cultura estavam prestes a se perder.
Próxima à cidade Lorena havia a pequena cidade de Silveiras. Nasceu como um bairro, ocupado por membros de uma só família, os Silveiras. Em 1864 ganhou o status de cidade. Sua localização muito estratégica, ponto de entroncamento entre Minas, São Paulo e Rio, era antiga rota de tropeiros. Sua culinária típica caipira, muito pouco valorizada na época, hoje é conhecida através de uma comemoração que teve início em 1984, restrita aos moradores. Tudo começou com José Silveiras. Para pagar uma promessa a São Gonçalo distribuía num dia do ano comida para toda a população local. Com o tempo, lembrou-se de uma antiga receita de sua mãe de broa de farinha de milho moída na pedra. Essa receita, acompanhada de café virou o mote da festa. A Festa da Broa de Silveiras é um grande orgulho para a comunidade.
Ainda há muito para restaurar todo patrimônio das cidades do Vale. Algumas já se valem do turismo para conservar sua história. Mas lembrando aqueles anos da FAU, fico feliz quando percebo soluções revitalizadoras partindo da população local. E Silveiras certamente pode conjugar hoje, com seus quitutes tropeiros, os verbos no presente.
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