Esse prato, moda nos anos 60 em São Paulo, era uma entrada elegante para almoços e jantares “classudos”. Ele me foi apresentado na festa de aniversário de minha tia Ivone, que em sua rápida passagem por São Paulo em 1961, morou no Edifício Bretagne. A arquitetura do prédio e o Aspic devem ter provocado uma epifania estética em meu “hard disc” cheio de memória livres e poucas informações. Desde então, eles estão na mesma pasta.
O edifício, inaugurado em 1958 e obra do projetista Artacho Jurado, foi o primeiro conceito de condomínio construído no Brasil. Lembro de ter me encantado com sua entrada de pilares multi- cores Vidrotil. O jardim da cobertura desenhava com as luzes formas no chão que passavam através de rasgos redondos em sua marquise, sustentada por pilares em V. Hoje percebo minha associação com o prato; onde as cores e transparências de ambos eram apresentadas na pureza geométrica das formas modernistas.
O sabor salgado, inesperado para uma gelatina, se entrelaçaram na minha memória com a alegria de brincar no playground, onde os brinquedos tinham formas e cores sem precedentes em minhas referências arquitetônicas infantis. A receita do Aspic foi avivada quando folheava um livro de Julia Child. Eu até pensei em falar sobre ela e sobre minha visita à instalação de sua cozinha no Museu da Cidade de Washington em novembro do ano passado, mas durante o preparo da receita as lembranças descritas invadiram minha memória. Reacendendo antigos links entre a formação do paladar e o amor pelas formas arquitetônicas. Portanto, Julia Child certamente estará em outro post com toda reverência que merece.
Voltando ao sabor, Aspic é um delicioso prato de verão. Refrescante, pode ser mais ou menos calórico dependendo dos ingredientes usados. É mais associado às carnes de peixes e frutos do mar. Seu primo, Galantine, tem um conceito semelhante: gelatina salgada abrigando vários componentes (geralmente carnes de galinha, vaca, porco ou veado). Mesmo assim, ambos podem ser generosos em legumes, verduras e até ovos. A minha versão tem baixas calorias.
Segundo a Enciclopédia Larousse, o nome Aspic vem da palavra grega “aspis”, que significa escudo. Faz sentido: a gelatina como um escudo protegendo os ingredientes. Outra explicação é que “asp” seria o nome de uma serpente de veneno gelado e gelatinoso. Apesar da receita ser encontrada no primeiro livro de culinária Le Viandier, foi no século XVIII que o chef francês Carême aperfeiçoou e criou novos desdobramentos a partir do conceito, que ele chamou de “quente/gelado”. Feito quente e servido gelado. Se você não conhece Aspic ou o Bretagne, vale conferir os dois! Na gastronomia como na arquitetura grandes jóias permanecem escondidas de nossos sentidos.
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