A dor e a delícia dos sentimentos, a escassez e a abundância são transmitidas através do alimento com suave requinte na obra de Eça de Queiroz. O escritor português e também jornalista era apaixonado pelo assunto e, em suas obras, o leitor é quase sempre convidado a ler com água na boca. Enquanto preparava essa receita de arroz, doce eram suas palavras que se moviam em minha cabeça com as melhores descrições do prato.

“Excelente lembrança! Há tempos não como arroz-doce! Desde a morte da avó. Mas quando o arroz-doce apareceu triunfalmente, que vexame! Era um prato monumental, de grande arte! O arroz maciço, moldado em forma de arroz-doce Pirâmide do Egito, emergia de uma calda de cereja, e desaparecia sob os frutos secos que o revestiam até o cimo, onde se equilibrava uma coroa de conde feita de chocolate e gomos de tangerina gelada!”. (do romance “A Cidade e as Serras”).

Seu domínio em contextualizar o alimento nos provoca visceralmente. Ele é quase um personagem, pontuando tempo e espaço, sentimentos e situações econômicas. Acreditava que era possível conhecer um povo pela maneira como ele assa uma carne.

Amante da boa mesa, em seu livro/artigo “Cozinha Arqueológica”, curiosamente publicado pela primeira vez na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, conclama algo que hoje é fartamente praticado: olhar a cultura e hábitos de um povo através da culinária. A idéia desse artigo surgiu para ele durante a leitura de Ateneu “O Banquete dos Sábios”, onde o autor faz inúmeras referências na forma de comer, beber e receber convidados das três maiores civilizações da antiguidade: grega, romana e alexandrina.

O artigo propõe desafios instigantes, como refazer um jantar de Apicio: “Neste nosso fecundo período de reconstituições históricas, ainda não apareceu um cozinheiro bastante douto, que acendesse os fornos e refizesse um jantar romano, segundo as receitas da Arte Culinária do grande Apício (…) o homem põe tanto da sua individualidade nas invenções da cozinha, como na da arte”. Mais do que legar-nos uma escrita tão refinada, nos instiga a irmos para o fogão.

Vamos preparar um delicioso arroz-doce?

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