Tenho o privilégio de acompanhar os bastidores da gastronomia, principalmente o bafafá que acontece aqui em São Paulo. A questão uníssona que se escuta nas bocas dos chefes é “O que é gastronomia brasileira?”. Como definir a identidade da comida de um país miscigenado? Como responder esta pergunta quando nossas mesas receberam influências de tantas culturas ao longo dos últimos quinhentos e poucos anos?
Fomos criados com a macarronada da nona aos domingos e docinhos portugueses na sobremesa. Isso sem contar com a presença da cultura alemã, africana, japonesa, espanhola, árabe e tantas outras. O que podemos chamar de realmente nosso? O chefe Alex Atala (do restaurante D.O.M) lidera, extra oficialmente, um movimento de reflexões e busca pela identidade da mesa brasileira. Fiquei impressionada com seu discurso durante o programa Roda Viva, da TV Cultura. Enquanto ele era bombardeado pelas perguntas e cutucadas dos jornalistas e críticos, defendia com propriedade o ideal de proteger e explorar o que o Brasil pode oferecer.
Isso fica claro em uma de suas respostas. “Se vamos ao Japão, não é para comer pizza. Se vamos à Itália, não é para comer Cassoulet. Quem vem para o Brasil sonha com este souvenir de viagem: ter uma experiência brasileira, sim! Quando a gente usa um ingrediente brasileiro, a gente pode colaborar com o desenvolvimento econômico de uma região (…) eu acredito que a melhor forma de valorizar a cultura brasileira e de proteger a nossa natureza seja, sim, usando ingredientes nacionais”, explica.
Reflexos desta preocupação começam surgir em eventos que promovem este tipo de debate. O Mesa Tendências, promovido pela revista Prazeres da Mesa em parceria com o Senac, é um exemplo disso: reúne profissionais da área da gastronomia para refletir sobre um tema a cada ano. Encontros mensais de profissionais ligados à gastronomia também começam ganhar força. O Entre Estantes e Panelas (idealizado pelo próprio Atala e pelo pensador da comida – Carlos Dória) iniciou um ciclo de debates quentes entre 2009 e 2010. Infelizmente, o sucesso da iniciativa dissipou-se aos poucos e, aparentemente, caiu no esquecimento. De acordo com o blog Goumert UpDateorDie (que ajuda na organização dos encontros), o projeto aguarda retorno de seus coordenadores.
A novidade que muito me alegra vem lá do Rio de Janeiro. O Instituto Maniva, da “chefe militante” Teresa Corção, inaugurou no dia 27 de maio o Centro de Alfabetização Ecológica (CAE), no centro da cidade maravilhosa. Pelo que entendi, é uma versão carioca do Entre Estantes e Panelas. A ideia é criar um espaço para discussão e reflexão sobre desafios contemporâneos da alimentação, ecologia e sustentabilidade. Com programação mensal, o CAE terá palestras sobre Ecogastronomia, Consumo responsável e Agroecologia.
O tema do primeiro encontro será “O homem e o alimento na história evolutiva. Nossa primeira amizade”. O chefe e geógrafo Joca Mesquita, coordenador das atividades do centro, será o palestrante do evento. “Vamos pensar o alimento, o homem e o ambiente de maneira sistêmica e conectada, onde nossas ações sempre gerem reações, e o peso de nossa responsabilidade e atitude possam, sim, fazer grandes mudanças”, explica o chefe Joca.
Fico torcendo daqui, prestando atenção nos ecos das discussões daí e com fortes esperanças de que este projeto tenha vida longa.
Serviço:
Centro de Alfabetização Ecológica
Endereço: Avenida Rio Branco, 180, 6º andar, Centro (dentro do Clube Naval)
Informações: (21)2262-6027
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