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Crônica – Café amargo

A maioria dos amigos do locutor publicitário, Cainã Ito, tinham a mesma dúvida: por que ele gosta de tomar cafés sem açúcar? “Isso despertou a ideia de escrever sobre, de como a bebida entrou na minha vida, até o momento que comecei a degustá-la pura, amarga”, diz. Assim nasceu a crônica “Café amargo”, um texto que brinca e discorre sobre o lado amargo – e delicioso – do grão.

Cainã aprendeu gostar do cafezinho com os pais e avós, “não pela bebida, mas pelo momento prazeroso que ela proporcionava”, conta. E, carrega isso em si até hoje, mesmo no trabalho. É jornalista e atribui uma grande relação à profissão e o grão. Ele diz que “o café proporciona todo um clima que favorece na concentração dos textos, podendo até ser como fonte de sensações inspiradoras”.

Talvez, este texto tenha vindo em um desses momentos. Aproveitem!

Café amargo
O cheiro fumegante sempre me trouxe a sensação de bem estar. O aroma dos grãos torrados resgata sobre mim lembranças, em que o apreciar de um café era tratado como ritual da família. Minha avó, antes mesmo de acabar a refeição principal, não demorava para preparar as toalhas bordadas e das xícaras para servir a mesa.

Aquele momento em que todos degustavam, a cafeína me fascinava. A balbúrdia de começo não passava agora de respirações, prevalecendo o silêncio. Poucos gestos se davam à mesa, apenas um simples sopro, a troca de olhares e um sorriso maroto. Tilintares das colheres soavam como partitura. Eles apreciavam o momento. Saboreavam do presente.

Contemplando deste momento várias vezes, aprendi aos poucos como apreciar uma boa caneca, e já pelos meus 9 anos eu os acompanhava na mesa. Me sentia um adulto prematuro, mas claro, era mais açúcar do que o próprio conteúdo do que eu bebia. Meu paladar ainda não era lá simpatizante do Senhor Amargo, este que só veio a ser tornar meu melhor amigo aos 15 anos.

Na adolescência não demorei muito para  praticar o bullying. Afastar do pobre açúcar os meus goles diários. Motivo de ensinamento dado pelos meus pais, em que certa vez ao tomar café junto à mesa, percebi que sequer tocaram no açucareiro, causa de indagação. No ato, fiz cara de reprovação com certo desgosto, mas antes mesmo que a xícara queimasse meus dedos, eles me responderam:
-O verdadeiro sabor não precisa ser adoçado, somente a vida com uma certa pitada de adoçante.
Aquela frase ficou impregnada durante meses, era como um pó de café jamais coado e do qual eu bebia. Eu tomava algo falso, me questionava.

Preparei psicologicamente para o real sabor do café. A verdade estava prestes a vir à tona. A caneca se aproximava lentamente, meus olhos vidrados e eu pensava:
– Mente aberta, você consegue. É apenas um amargo. O que pode ser de tão ruim?
O café me venceu, e foram vários os nocautes ao ponto das cuspidas se tornarem um esporte. Só faltava a mira. Se ao menos as manchas sobre a toalha branca fossem arte, seria um renomeado artista conceitual.

Passado o esporte e da arte borrada sobre os panos, decidi que era a hora de ingressar na faculdade, e parar de apreciar somente o café dos outros. Recorri para a química, e logo me perguntei:
-Como fazer café? Tantos dilemas…
Era como coar no escuro. Mergulhei inúmeras colheres de pó, e só cessei quando meu instinto barista instigou algo. Pudera eu dizer que a minha primeira experiência fosse um sucesso. Estava longe disso. Rotular como veneno de rato seria o mais apropriado. Logo percebi que o processo artesanal não seria o mais adequado. Viva a cafeteira elétrica!

Grãos moídos passaram, e o conseguir saborear do amargo, estejam nas barras de chocolate ou acompanhado do bom cappuccino, se tornara um deleite. O adoçar tornou-se lenda.
O café aguçou das minhas percepções sobre aqueles que transitam sob meu olhar, aprendendo nos versos das embalagens que o colocar de uma colher açucarada não faz mal a ninguém. Mas não me refiro às xícaras, e sim às pessoas. Necessitamos ser mais doces nesta vida, pois de amargo entre nós já basta nossas atitudes.
Crônica: Cainã Ito

Por: Lucas Tavares

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